A semente é um dos principais insumos da cadeia da restauração florestal. A partir dela, produzem-se mudas e realiza-se o plantio de muvuca de sementes, técnica regenerativa que vem ganhando espaço em todas as regiões do país. Para isso, são necessárias sementes em quantidade, qualidade e diversidade. Apesar de ser a base para o avanço da restauração, a sua cadeia produtiva ainda não é valorizada o suficiente, exigindo mais incentivos do poder público, da iniciativa privada e do terceiro setor.
Iniciativas como as redes de sementes, que fomentam a cadeia de coleta, produção e venda de sementes, têm mostrado que a coordenação dos diversos atores – coletores, ONGs, universidades, órgãos de pesquisa, bem como a união das redes existentes, como a que já acontece no Vale do Paraíba e as que estão se expandindo para a Zona da Mata por meio das parcerias – permite alavancar a produção, valorizando e gerando renda para as comunidades tradicionais, associações de produtores rurais e coletores individuais. No âmbito do Conservador da Mantiqueira, o trabalho de fortalecimento da rede de sementes ganhou impulso em 2022, com a parceria entre o Instituto Socioambiental de Viçosa – ISAVIÇOSA e a The Nature Conservancy (TNC Brasil).
Em Rosário da Limeira (MG), o ISAVIÇOSA se juntou ao IRACAMBI, também parceiro da TNC Brasil, para a implementação de áreas de restauração florestal com a técnica de plantio de muvuca de sementes. Nesse momento, verificou-se que várias sementes utilizadas não eram originais da Mata Atlântica, e muitas não eram de espécies com ocorrência no território do plantio, devido à grande extensão e variada biodiversidade do bioma. Para contornar o problema, foi promovido um encontro buscando a construção participativa de um projeto de fomento à formação de redes de coleta de sementes com foco na Mata Atlântica, com a inclusão de outros parceiros: Caminhos a Semente, Instituto Socioambiental – ISA, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Instituto Estadual de Florestas – IEF e Instituto SuperAÇÃO. De lá para cá, o trabalho segue em duas frentes complementares: o ISAVIÇOSA responde por olhar para o mercado e pela restauração de áreas, enquanto a UFV fomenta pesquisas sobre o tema na região.
O envolvimento das comunidades locais que tenham interesse em fazer parte da rede de sementes é fundamental. É preciso unir forças para movimentar a cadeia, sendo o coletor de sementes o personagem principal de todo o processo. “Nosso entendimento é que a estratégia de restauração não é efetiva se não for realizada de forma colaborativa. Por isso, atuamos em parceria com os diversos atores envolvidos na causa ambiental para desenvolver condições favoráveis para que a agenda da restauração seja possível. Assim, conseguimos promover avanços significativos na mudança de paradigmas e transformar a realidade das nossas florestas”, comenta Adriana Kfouri, diretora para Conservação da Mantiqueira da TNC Brasil.
A diversidade de espécies exige pesquisas básicas, incluindo estudos de fenologia, mapeando seu desenvolvimento ao longo das diversas etapas – da germinação à maturação, e o comportamento diante das mudanças climáticas, que interferem na produção de flores, frutos e sementes. Outro alvo é o aprimoramento de técnicas de colheita e manejo de sementes, contribuindo para obtenção de maior rendimento e de sementes de melhor qualidade.
Um exemplo da participação acadêmica no processo vem de Viçosa, parte do Polo Agroecológico e de Produção Orgânica da Zona da Mata, instituído como política pública em 2018. Lá, o diagnóstico feito pela equipe do Professor Felipe Simas, da UFV, que é do departamento de Educação – atua na área de extensão rural, como professor do Curso de LICENA e orientador do programa de pós-graduação em Agroecologia, será a base para atividades de sensibilização e construção conjunta das ações, visando promover a formação dos diversos participantes da colheita de sementes, envolvendo a escolha e marcação de matrizes, as técnicas de colheita, e todas as atividades subsequentes – manejo, pré-secagem dos frutos, extração das sementes, limpeza, seleção, classificação e armazenamento.
“A ideia é que as sementes da rede sejam encaminhadas ao Laboratório de Análise de Sementes Florestais – LASF – UFV, que possui uma câmara fria, o que propicia a manutenção das sementes de forma que sua viabilidade seja mantida. Há também estrutura e alunos que poderão realizar os testes de germinação dos diversos lotes, para conhecermos mais sobre as espécies presentes na região”, explica Lausanne Soraya de Almeida, Engenheira Florestal, Professora da área de Tecnologia e Produção de Sementes Florestais do curso de Engenharia Florestal da UFV.
De acordo com Lausanne, com base nos estudos serão desenvolvidos trabalhos relacionados à fenologia regional das espécies, melhoria das técnicas de colheita, estudos sobre rendimento e manejo de sementes mais eficientes e avaliações da viabilidade dos lotes armazenados, além da criação de materiais de fácil acesso, com linguagem prática voltada para as comunidades envolvidas na cadeia de sementes. O departamento de Educação e o programa de pós-graduação em Agroecologia da UFV também estão envolvidos na realização de um estudo sobre o estado da restauração na região da Zona da Mata e sua sinergia com a Agroecologia.
Como afirma Bráulio Furtado Alvares, gestor de projetos do ISAVIÇOSA, “Existe um grande potencial para o desenvolvimento das redes de coleta de sementes, mas acreditamos que o envolvimento do movimento agroecológico com a restauração florestal vai além. Além do sequestro de carbono, fundamental para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, o manejo agroecológico já realiza a restauração ecossistêmica e entrega muito mais para a sociedade. Estamos falando da sociobiodiversidade dos manejos, da soberania e segurança alimentar, da autonomia das comunidades tradicionais e afirmação de suas culturas e cosmologias em busca do Bem Viver”.
Segundo Bráulio, que também é mestrando em Agroecologia e está contribuindo com essa linha de pesquisa, hoje há apenas fragmentos de mata em regeneração, geralmente com pouca diversidade biológica, circundados por pastagens degradadas ou manejos convencionais com uso de agrotóxicos, que funcionam como sumidouros de biodiversidade. O manejo agroecológico é capaz de preencher essas lacunas com agroecossitemas biodiversos, revertendo esse quadro. Braúlio lembra uma frase de Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, escritor brasileiro da etnia krenaque e imortal da Academia Brasileira de Letras, no encerramento do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, que aconteceu em novembro no Rio de Janeiro – RJ: “A agroecologia tinha que acontecer em escala planetária”.