Como recuperar as nascentes e cuidar das águas que abastecem a cidade de Itanhandu, em Minas Gerais? Esse desafio foi a essência da criação do Programa Produtor de Água, iniciativa da Prefeitura Municipal que tem o objetivo de proteger a bacia hidrográfica do Alto Rio Verde, na Serra da Mantiqueira, sul de Minas Gerais. O Rio Verde é a principal fonte de abastecimento da cidade, e suas nascentes são importantes para o fornecimento de água para outras 450 mil pessoas vivendo em outros municípios do estado, ao longo dos 220km do percurso que o rio faz até a sua foz.
“Estamos no Circuito das Águas, temos mais de 30 nascentes na bacia do Alto Rio Verde, temos que protegê-las. Cuidar das águas é uma prioridade para nós, itanhanduenses, e também da atual gestão. Nesse momento estamos atualizando a Lei Municipal sobre Pagamento por Serviço Ambiental para ampliar o programa. É uma questão fundamental para que ele possa crescer e abarcar mais áreas e mais pessoas.”, explica Stella Guida, Secretária de Meio Ambiente de Itanhandu.
O Programa foi criado em 2014, quando o município concorreu a um edital da Agência Nacional de Águas (ANA), seguindo a política pública de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Após uma ampla discussão, envolvendo o poder público, agentes da sociedade e a iniciativa privada, foi instituída a Lei Municipal 894/2015 e criada a Unidade Gestora do Programa (UGP), com representantes de cinco instituições de ação local: a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), a ONG Instituto SuperAÇÃO, a Floresta Nacional de Passa Quatro (FloNa), o Grupo Mantiqueira e a EMATER.
Entre 2019 e 2020 foram cercadas áreas de proteção permanente e remanescentes florestais, recuperadas nascentes e promovido o reflorestamento através do plantio de cerca de 14 mil mudas, adequadas estradas rurais e construídas 8 bacias de contenção (mais conhecidas como barraginhas) para infiltração da água e contenção de processos erosivos. Em 2021 o programa recebeu um aporte de recursos do Grupo Mantiqueira, dando início à segunda fase, com mais cercamentos, protegendo três nascentes, garantindo no total a conservação de 70,4 hectares de floresta nativa e recuperando cerca de 24,5 hectares em Área de Proteção Permanente (APP). De lá para cá o programa foi ganhando escopo e está em um novo momento.
Stella nos conta sobre essa nova etapa e os principais desafios e expectativas do programa, que pretende transformar a região em um grande polo Produtor de Águas, seguindo o exemplo de Extrema (MG), base do Conservador da Mantiqueira.
Qual a importância do programa Produtor de Água para o município e como ele tem se desenvolvido?
Na verdade, vejo o programa em movimento, ele não é estático. Conforme avançamos, conseguimos implantar novas ações e, com isso, ele vai assumindo uma forma diferente. Com a experiência das duas primeiras fases, nas bacias hidrográficas do Imbiri e Jardim, vimos que precisamos andar mais rápido com algumas ações, abrangendo áreas não previstas nesses editais e que também são essenciais para atingirmos nosso objetivo de melhorar a quantidade e a qualidade da água na cidade.
Os desafios da implementação do projeto fazem com que ele se transforme. É um processo de amadurecimento, que vai tornando o programa mais sólido, sendo capaz de incluir mais pessoas. Nesse período, participamos de outros eventos, conhecemos outros programas, outras realidades e vamos tentando adaptar para a nossa realidade, porque não existe uma receita pronta. Precisamos testar e, ao mesmo tempo, checar se uma atividade ou tecnologia é factível para nosso município. É um processo vivo, um trabalho que fazemos ao longo do tempo, solidificando ações que são boas e abrindo mão de outras que não tiveram o efeito esperado.
Algumas vezes, por exemplo, as ações utilizam um recurso muito alto para ser implantado e não apresentam resultado significativo na produção de água. Fazemos um monitoramento constante, realizando a medição desde a fase um até agora para seguir evoluindo. Queremos continuar nesse processo de construção, trazendo o que vemos de novo, outras práticas conservacionistas, para dentro do programa, sempre com o objetivo de produzir bastante água no município.
Qual o principal desafio do programa Produtor de Água?
Hoje o principal desafio é o financiamento. Trazer recursos para o meio ambiente é o nosso maior desafio. Criamos um know-how no município junto com os proprietários rurais, temos uma boa aceitação, o que torna essa etapa um pouco mais fácil, mas obter o financiamento para conseguir recursos suficientes para levar as práticas para todo o município é nosso maior obstáculo. Também precisamos pensar em formas de recuperar as áreas muito degradadas, que ainda causam um problema muito sério para o município, com o menor aporte de recurso possível.
Como enfrentar essa questão? A parceria público-privada é uma alternativa?
Sim, ela é fundamental. A parceria público-privada está prevista nas leis ambientais, para a recuperação tanto das florestas quanto das águas. Agora que já temos resultados, conseguindo mensurar melhor o programa, iremos apresentá-lo para que outras empresas invistam também, considerando iniciativas de sustentabilidade das mesmas. Esses recursos são vitais para melhorar a quantidade e a qualidade das nossas águas.
Pensando no município, qual a expectativa para o futuro, em relação à produção de água e à conservação?
Com a alteração da Lei, pretendemos que essas outras propriedades que cercam as nascentes, mas que não precisem receber aporte financeiro da prefeitura, também possam fazer parte do programa. Tem sido gratificante acompanhar o engajamento dos proprietários junto com a gestão dos programas de restauração e conservação florestal. Além de querer trabalhar com o município como um todo, queremos transformar a região em uma grande produtora de água. Esse é nosso objetivo.
Como você enxerga o papel do Conservador da Mantiqueira para nossa região?
O Conservador da Mantiqueira é muito importante. Ele apoia um outro projeto que está sendo implementado no município e na região das Terras Altas, o Restauração Florestal da Mantiqueira. Embora os projetos tenham objetivos diferentes, que no caso do Restauração Florestal é o mercado de carbono, esse trabalho acontece em áreas próximas às nascentes, o que a longo prazo ajudará na infiltração de água no solo e, consequentemente, na produção de água da bacia.
Esse movimento reforça nosso planejamento para o Produtor de Água como um grande guarda-chuva de diversos programas que temos aqui. Queremos transformar não só o município de Itanhandu, mas a região em um polo de produção de água. Entendemos que essas parcerias entre as diversas instituições, iniciativa privada e poder público são fundamentais para que as ações sejam implementadas com sucesso. Assim, o Conservador da Mantiqueira favorece a restauração e conservação florestal do município, o que contribui para nos tornarmos esse grande Produtor de Água.
O fortalecimento dos programas incentiva a cultura da regeneração na região? Os proprietários rurais começam a olhar o meio ambiente de outra forma?
Acredito que sim. Essa atuação de vários programas conservacionistas no município contribui muito para a propaganda boca a boca entre os proprietários rurais, que vão se interessando cada vez mais e nos procurando. Isso é muito positivo. Eles percebem o ganho que o outro produtor está tendo na propriedade, o investimento que está sendo feito e que, muitas vezes, não conseguiriam fazer por conta própria. Até mesmo para não correrem o risco de ficar sem água, o interesse aumenta. As pequenas mudanças que acontecem nas propriedades fortalecem todos os programas. É a cultura da regeneração em rede.
Stella foi a coordenadora do programa desde a sua criação em 2014, via Instituto SuperAÇÃO, ONG escolhida pela Unidade Gestora para coordenação técnica do Produtor de Água. Em 2021 assumiu a Secretaria de Meio Ambiente do município e segue incentivando o crescimento do projeto.