Frutíferas nativas contribuem para a restauração florestal e podem gerar renda para os proprietários rurais 

15 de Agosto de 2023

Cambuci, cambucá e uvaia estão entre as espécies 

Esqueça a manga, a laranja, o morango ou a banana. Estamos falando das frutas originárias da Mata Atlântica, ainda pouco conhecidas da população: cambuci, cambucá, uvaia, bacupari, aguaí, gabiroba, cajá mirim, cereja do Rio Grande, grumixama… A lista continua – são muitas! -, mas o preocupante é que, sendo a Mata Atlântica um dos biomas mais ameaçados do planeta, muitas delas já não são encontradas nos ambientes florestais mais antigos.  

No processo de restauração florestal busca-se reconstruir a paisagem da forma mais próxima ao ambiente original. A escolha das espécies deve privilegiar aquelas de maior ocorrência na região, considerando a diversidade genética e populacional e a densidade de árvores nos plantios. E aqui as frutíferas nativas ganham muitos pontos, dado seu poder de atrair dispersores de sementes, que atuam igualmente na disseminação de outras espécies, também nativas. Muitas sementes, inclusive, só germinam depois de passarem pelo trato digestivo de animais silvestres. Ou seja, elas colaboram para que outras espécies se desenvolvam, acelerando a restauração florestal da área e, como se não bastasse, ainda podem gerar renda, contribuindo para diversificação da propriedade rural. O trabalho de muitos proprietários rurais tem sido o de resgatar e plantar essas espécies.  

É o que faz Lucia Helena Santos, proprietária da Nati Viva+, de Salesópolis (SP). Em 2007, ela teve contato com o cambuci no Festival Gastronômico do município. “Entrávamos na mata para buscar as frutas, congelando algumas para o próximo evento. Mais tarde, ganhamos 30 pés, aprendemos como trabalhar com essa espécie e descobrimos o seu grande potencial, chegando a vender uma parte para o Instituto Auá.”, conta. De lá para cá, o conhecimento sobre a fruta e tudo o que ela pode oferecer aumentou, e Lucia tornou-se produtora, mudando a paisagem da sua propriedade. “Durante esse tempo de diversificação, quando tiramos parte do eucalipto e plantamos o cambuci, a água voltou a brotar na nossa mina. Foi uma alegria!”, relembra Lucia.  Atualmente são 600 pés de cambuci na propriedade, com árvores de idades variadas. “Amo lidar com essas frutas. Quanto mais você trabalha, mais você aprende. Descobri muitas coisas e agora temos várias receitas”. Além do cambuci, a Nati Viva+ tem um mix de nativas: uvaia, jabuticaba, araucária, palmito juçara, araçá amarelo, araçá vermelho e grumixama. 

Celso Mota, proprietário rural de Pouso Alto (MG), também é apaixonado pelas frutíferas. Ele herdou um sítio da família, com áreas degradadas. Pensando em como ocupar a terra, logo descartou a pecuária, devido ao relevo montanhoso. Depois de constatar que na região quase não havia plantações de frutíferas em larga escala – ainda menos se consideradas apenas as nativas -, decidiu transformar o seu sítio em um espaço modelo de produção sustentável para ajudar e inspirar outros produtores rurais. “Meu sonho é transformar o espaço em uma floresta modelo, dedicada à produção de alimentos, com uso correto da água e do solo. Quero abrir para as pessoas, levar esse conhecimento para mais gente, fazer as pessoas conhecerem a forma de lidar com a natureza e o potencial da região. Isso é o que tenho feito, buscar conhecer a minha terra e o que ela produz.”  Desde então, tem trabalhado para isso, recuperando as nascentes e testando o plantio de muitas frutíferas. A lista já tem mais de 80 espécies (e continua crescendo)! 

Celso começou a testar o plantio em condições naturais para verificar o desempenho das frutíferas: as mudas vão direto para a terra, sem solo preparado, sem cuidados extras como a irrigação e sem aditivos químicos. A ideia é verificar qual espécie se desenvolve melhor nessas condições.  As únicas práticas utilizadas em benefício das mudas são aquelas relacionadas aos sistemas agroflorestais, como a cobertura de solo, que ajuda a manter a umidade e aumenta os microrganismos do solo, disponibilizando mais nutrientes para as plantas. Nesse processo de adubação biológica, mais lento que a adubação química, camadas de matéria orgânica são colocadas na base das mudas. Várias nativas entraram nos testes, como o araçá roxo, que teve ótimo resultado e cuja primeira produção virou geleia. Aos poucos, antigas áreas de pastos vão sendo preenchidas com espécies agroflorestais, transformando a paisagem.  

Segundo Marco Aurélio Martins Corrêa, turismólogo, engenheiro civil e estudioso da agricultura sintrópica – técnica que se propõe a produzir a partir da compreensão e respeito à natureza -, em Passa Quatro (MG), o ideal para a restauração é combinar as frutíferas com o plantio de espécies nativas de diferentes estratos e ciclos sucessionais, como guapuruvu, cedro, pau cigarra, sangra d’água, capixingui, pau pereira, jatobá, entre outros. “E também combinar com plantios que irão ajudar a ‘criar’ as frutíferas nos primeiros anos de vida, cultivando espécies que gerem bastante biomassa para ser incorporada, como feijão guandu, margaridão, fruto do sabiá, etc.”, explica.  

Marco utilizou frutíferas nativas no trabalho que realizou na Hospedaria Bela Raiz, em Passa Quatro, onde, após uma campanha coletiva com a participação de mais de 70 pessoas, teve início o trabalho de recuperação da área, com a implementação de um canteiro pelo sistema agroflorestal e o plantio de frutíferas na margem do rio que corta o local, com mudas de cabeludinha, cambuci, jabuticaba, pitanga e uvaia. Em 2022, os donos da propriedade, que sonham em recuperar a mata nativa, ofereceram um curso de agrofloresta sintrópica ministrado pelo Marco e André Piteri, ampliando a área de agrofloresta original, que conta com pitanga, uvaia, jabuticaba, cajá mirim, ingá, juçara. Aos poucos, a biodiversidade vai aumentando e o sonho da família se tornando mais real. “Esse projeto tem nos ensinado muito, ver o que antes era pasto degradado se transformando em vida tem reverberado em todos nós, mudando nossa relação com a natureza. As primeiras sementes desse sonho foram plantadas!”, conta Isabela Guida, proprietária da Bela Raiz.  

Difundir o conhecimento sobre o potencial econômico da flora nativa, especialmente das frutíferas, é necessário, como aponta Marco: “Na região, o que se tem praticado, em termos de fruticultura em grande escala, são plantios comerciais de frutíferas exóticas originárias de países de clima temperado, como pêssego, ameixa, amora, morango, framboesa, mirtilo e marmelo, que se adaptaram bem ao clima das Terras Altas da Mantiqueira. Acredito muito no potencial das frutíferas da Mata Atlântica, que podem e devem ser melhor exploradas em cultivos comerciais, inclusive agregando valor com o plantio agroecológico e em sistemas agroflorestais”, finaliza. 

Receita de Chá de Cambuci 

A casca do Cambuci tem ação anti-inflamatória e cicatrizante. 

Modo de preparar a casca: Lavar as frutas e cortá-las ao meio, retirando a polpa, que pode ser congelada e usada para suco, por exemplo. Leve as cascas para desidratar ao sol ou então em um desidratador, embalando assim que estiverem bem sequinhas.  

Para preparar o chá, leve ao fogo 200ml de água, adicionando 5g de casca assim que abrir fervura. Deixe ferver por 2 minutos, tampe e deixe descansar por 3 minutos. Adoce a gosto. 

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