A preservação dos recursos hídricos está na gênese do Plano Conservador da Mantiqueira. Nascido como “Conservador das Águas”, voltado ao fortalecimento de políticas públicas relacionadas a esse tema, cresceu e ampliou seu escopo: apoio à governança local, incentivo a políticas ambientais e promoção de capacitação técnica, sem nunca deixar de buscar promover segurança hídrica, buscando qualidade e abundância.
Nos últimos anos, as mudanças climáticas ressaltaram a urgência da questão hídrica, com o aumento da temperatura global produzindo alterações significativas no regime de chuvas, resultando em eventos mais intensos e irregulares. Na região da Mantiqueira, observamos ainda outro agravante: os lençóis freáticos não estão sendo adequadamente recarregados, mesmo com reservatórios operando com capacidade acima da média. Para Luís Francisco de Rosa Macedo, engenheiro agrônomo de Pouso Alto (MG), melhorar a infiltração da água da chuva exige a adoção de medidas como o preparo do solo e a conservação da vegetação, ações que também ajudam a enfrentar eventuais períodos de seca, preservam os demais recursos naturais e protegem os ecossistemas.
Um bom exemplo de como lidar com o problema vem de Viçosa (MG), onde o programa Microbacia Escola, implementado pelo Instituto Socioambiental de Viçosa (ISAVIÇOSA), tem apresentado resultados positivos. O programa acontece na microbacia hidrográfica mais alta do Ribeirão São Bartolomeu, responsável pelo abastecimento do município de Viçosa e local onde fica o Instituto. Por meio de técnicas de plantio de água, com caixas de contenção distribuídas em locais estratégicos para capturar o fluxo acumulado de escoamento superficial, interceptando as enxurradas, diminui-se o processo de erosão e a perda de nutrientes, aumentando a cobertura florestal e a qualidade ambiental do local, revertendo a degradação. Segundo Davi Salgado de Senna, engenheiro florestal do projeto Semeando Diversidade Plantando Água, do ISAVIÇOSA, “O foco é que toda a água fique armazenada no solo, abastecendo os lençóis freáticos e, consequentemente, aumentando a vazão das nascentes, podendo fazer até mesmo ressurgir nascentes degradadas”. O trabalho do plantio de água por lá foi inspirado na experiência do projeto ‘Plantadores de Água’, que surgiu em 2012, no Espírito Santo.
Davi lembra que é preciso considerar o ciclo hidrológico como um serviço ecossistêmico, assim como a manutenção de água de qualidade para a população. “Práticas de plantio de água contribuem para equilibrar e otimizar o ciclo e a reciclagem de nutrientes, contribuindo para o processo de desenvolvimento da vegetação, com a consequente melhoria da qualidade do ar, uma vez que a vegetação é responsável pelo processo de fotossíntese, capturando o CO2 e liberando o oxigênio. Muitos ecossistemas são beneficiados pelas práticas de conservação”, finaliza.
Saiba mais sobre o programa Microbacia Escola
O Programa Microbacia Escola engloba atividades de educação para regeneração e sustentabilidade, realizadas, em sua maior parte no sítio Palmital, sede do ISAVIÇOSA. O sítio abriga as nascentes mais altas do ribeirão São Bartolomeu, um dos principais cursos d`água que abastece a cidade de Viçosa. Desde 2004, vêm sendo implementadas no local práticas sustentáveis de uso e ocupação da terra, que visam, sobretudo, melhorar e assegurar a qualidade da água e o aumento da biodiversidade. Entre estas práticas, estão os sistemas agroflorestais (SAFs), bioconstruções, saneamento rural ecológico, a recuperação de matas ciliares, a implantação de unidade participativa de experimentação em Plantio de Água, jardim sensorial, restauração florestal por semeadura direta com muvuca de sementes, plantio de mudas de árvores nativas e frutíferas, associado ao favorecimento da regeneração natural em áreas sensíveis das zonas de captação e transmissão da microbacia. Este conjunto de técnicas aplicadas configuram uma verdadeira sala de aula a céu aberto e oferecem a oportunidade de se abordar diversos assuntos relacionados à ocupação humana sustentável e regenerativa. É um espaço propício para realizar trilhas interpretativas guiadas, aulas de campo, vivências, dinâmicas e atividades recreativas, estimulando sempre a criatividade e reflexão dos visitantes.
Como enfrentar os desafios relacionados à água?
Muitos são os caminhos para enfrentar os desafios postos pelas mudanças climáticas, a fim de garantir o fornecimento adequado de água e a preservação dos ecossistemas. Hoje, como sempre, os diversos agentes da mudança podem contar com o Conservador. Confira algumas diretrizes:
- Implementação de práticas agroflorestais, integrando árvores, arbustos e cultivos agrícolas na paisagem, proporcionando sombra, proteção contra erosão e maior infiltração de água no solo;
- Manejo sustentável da água, com técnicas de captação e armazenamento de água da chuva, como cisternas, tanques e barragens, para garantir o abastecimento durante os períodos de seca;
- Conservação do solo, com adoção de técnicas como plantio direto, aumento da cobertura vegetal, buscando reduzir a erosão hídrica e manter a umidade do solo;
- Reflorestamento da área degradada através do plantio de árvores nativas, promovendo a restauração dos ecossistemas e a recarga dos lençóis freáticos;
- Educação ambiental e sensibilização, promovendo a conscientização entre os proprietários rurais sobre a importância da conservação florestal e do manejo sustentável da água, incentivando a adoção de práticas mais responsáveis;
- Soluções baseadas na natureza (SbN), que são abordagens inspiradas pelos ecossistemas naturais para resolver problemas ambientais e sociais, utilizando e valorizando os serviços que a natureza oferece, como purificação de água e regulação climática.